Férias Frustradas do Pica-Pau
São os amigos do Pica-Pau no banco traseiro, mas não parece o Pateta de costas?
Eu amo a Tec Toy, já deixei isso bem claro centenas de vezes. A vida de todos aqui seria um bocado sem graça caso ela não tivesse feito o trabalho exemplar entre o final da década de 80 e durante os anos 90, com seus bons consoles, marketing sensacional, excelentes títulos e tal. Caramba, sem
Phantasy Star (não apenas o ápice dos videogames de todos os tempos mas também o ponto alto da TT) eu passaria longe de ser o dito cidadão respeitável (
sic) que sou hoje. Mesmo nos momentos mais tensos da empresa, como o recente lançamento do Mega e seus problemas, eu ainda consigo ver os reflexos da empresa fenomenal de outrora.
Empresa esta que também não ficou apenas na reprodução de conteúdo, mas também singrou pelas audaciosas e perigosas águas dos próprios trabalhos. Em um primeiro momento, tivemos a tradução de jogos como a obra-prima citada acima e também a ótima localização feita nos
Wonderboy para se tornarem aventuras da Mônica, o que contribui bastante para o bom nome do Master. Mesmo adaptações tardias como os
Sapo Xulé, embora hoje soem até desnecessárias e só façam a alegria dos colecionadores estrangeiros, foram originalmente concebidas dentro de um plano de divulgação de um projeto de estabelecimento de marca muito bem pensado dentro do mercado de entretenimento. Não demorou nada e eles partiram até mesmo para produções originais, como este
Férias Frustradas do Pica-Pau.
E com todo o respeito aos envolvidos no mesmo (inclusive o Aluir Amâncio, um grande nome dos quadrinhos nacionais, que trabalhou com as animações), o jogo passa muito longe de ser bom
Você percebe que houve boa vontade por parte da TT ao fazê-lo, ele tem lá um capricho e uma integridade que por exemplo faltam ao
20 em 1. Os gráficos são interessantes, o protagonista é bem desenhado e animado, há uma historinha por trás, muitos personagens dos estúdios Walter Lantz e situações de desenhos reconhecíveis pela criançada foram usados e percebe-se uma intenção de se fazer algo coeso por trás. A execução disso é que deixa muito a desejar... A prova disso é que eu precisei de um
walkthrough (o único disponível na internet) junto a um vídeo de gameplay completo para entender vários dos percalços passados nos estágios. Não se acanhe se um dia for testar o jogo e desistir dele sem chegar à metade da primeira fase, o problema não está em você e sim em decisões que acabaram por estragar o que deveria ser um belo título.
Após uma bela tela-título e uma sequência de imagens que conta o enredo - todos (Picolino, Oswaldo, Andy Panda, Picolino etc) saem de férias, o Pica-Pau resolve tirar uma foto para posteridade, o povo desaparece no ar e tudo parece ser um plano do Zeca Urubu - começa o jogo e consequentemente seus/nossos problemas. Os controles são tenebrosos, movimentar o personagem com precisão é praticamente um milagre. Quando se adicionam os pulos à equação, a coisa desce a ladeira ainda mais: nas raras vezes em que não sai simplesmente um inútil salto no lugar, ou o PP se mexe apenas um pixel ou vai parar muito longe e provavelmente no lugar errado, como um buraco. Ele conta ainda com um movimento de corrida (dois toques em uma direção) que não funciona todo o tempo, principalmente quando é realmente necessário.
Os ataques de bicada possuem uma particularidade: você precisa SEGURAR o botão para que sejam efetivos, não basta apenas apertar. Eu custei a entender isso, porque é outra coisa que também não ajuda em nada. Para dizer a verdade, o ideal é ignorar solenemente os inimigos caso seja possível, você acaba perdendo energia por conta das regras loucas de colisão na maioria das vezes em que tenta fazê-lo, visto que ou o adversário te encosta mesmo ou o jogo decide que o ar ao redor dele também é prejudicial para sua saúde, te mandando longe. Ah, e nessa brincadeirinha de ser arremessado, ainda periga o bicho continuar vindo na sua direção e continuar a fazer dano. Como o PP só arregala os olhos e se movimenta nesses casos, em vários casos o inimigo te joga num buraco ou te prende até a morte. Novamente, fuja de todo mundo e tente tomar a menor quantidade possível de dano. Veja, não tem como não tomar dano, é um fato, então acostume-se a isso
Distribuídos pelos estágios estão alguns itens para ajudar o PP em sua jornada, como algumas comidas para repor a energia, sacos de dinheiro que dão pontos e também vidas extras. O dinheiro eu imagino que sirvam para se entrar em estágios de bônus, os quais eram citados no walkthrough mas não cheguei a ver nenhum, visto que já era complicado terminar as fases ignorando os mesmos, imagina pegando todos. Já as vidas são uma parte curiosa da coisa: elas são abundantes nos cenários, na primeira fase mesmo deve ter umas três; só que você já começa com seis vidas extras e este é o limite para elas! Então, em vez delas ajudarem na experiência ao se acumular muitas delas, tipo
Hard Corps: Uprising faz com continues, na maioria das vezes elas são inúteis por não poderem ser pegas
O design das fases não ajuda muito também. Nas que você precisa percorrer todo o estágio linearmente, você encontra os mesmos relevos/desafios três ou quatro vezes repetidas. Tente imaginar o começo Green Hill Zone de
Sonic como um morrinho com monitor, um inimigo, uma mola e uma ponte com duas piranhas, depois o mesmo morrinho/inimigo/mola/ponte outra vez, depois toda a sequência de novo e aí acaba o estágio. A impressão que dá é justamente essa, a coisa simplesmente fica se repetindo até o fim. Com o terceiro e quinto estágios, também fases "abertas", acontece a mesma coisa e você assume que realmente temos um problema aqui, a variedade de relevo é notadamente pouca, as mesmas situações ocorrem direto. Detalhe para um momento na terceira fase que "lembra muito" uma parte de
Yoshi's Island, o sujeito do walkthrough reparou e eu também.
O segundo e o quinto estágio tem uma pegada meio
Ghost House/Haloween(Atari), de ficar indo e voltando dentro de uma casa/calabouço. Novamente, um bocado repetitivo e muito prejudicado pela problemática relação com os inimigos. O quarto estágio é o diferentão do jogo, um estágio no qual você controla um barco e deve pular inimigos e obstáculos. Poderia ser lindo, poderia ser um momento
Alex Kidd in Miracle World até, se não fosse o fato da sua lancha precisar tomar impulso antes de pular, o que graças aos inimigos e aos controles é garantia de um bocado de dano. A segunda metade dessa etapa envolve nadar em uma caverna subterrânea (lembra muito a caverna de
Sítio do Pica-Pau Amarelo), ou pelo menos tentar não morrer ao bater o mínimo possível em inimigos dos quais quase não dá para se desviar. Como podemos ver, o mote do jogo é tudo ser mais trabalhoso e necessário de paciência de não jogar as coisas na parede do que realmente difícil.
E temos os chefes... Foi aqui que o jogo realmente me entristeceu, não pelo que é mas pelo que poderia ter sido. Temos rostos familiares, como o Smedley, Leôncio, o urso polar do Picolino ("A Lenda do Pico da Canção de Ninar", lembram?), Zé Jacaré e o chefão Zeca Urubu. Todos eles precisam de estratégia própria e um certa lógica de desenho para tal. O Smedley, por exemplo, precisa ser acertado por nozes dos esquilos das árvores e então ter seu rabo acertado por bicadas. Em teoria é mole, mas eu gastei mais tempo para conseguir fazê-lo da primeira vez do que para terminar o resto do jogo - não é exagero algum. Em 98% das vezes, o sujeito encostava no PP, que tomava dano, ia para trás, tomava dano de novo e por aí vai, quase sempre morrendo. Fora que sem o walkthrough (já que não encontrei o manual) eu não teria noção do que fazer, visto que não há qualquer indicação do jogo nesse respeito. Isso também ocorreu na luta contra o Zé Jacaré, que precisa ter o rabo bicado (baixo+segurar - SEGURAR! - 1) e também o Zeca, do qual você precisa tomar pelo menos meia tela de distância e PULAR em parábola na boca de um canhão virado horizontalmente (ou seja, que te faz intuir ser necessário entrar de frente, o que não dá certo) para ser arremessado contra ele e causar dano. Entretanto, o que realmente me fez ver o potencial perdido do jogo foi a batalha contra o urso. Ela é quase idêntica à do Smedley, só que nozes e bicadas não causam dano no bicho diretamente. Você precisa acertar uma noz nele, fazê-lo virar de costas, chegar perto dele e apertar 1+2. Com isso, o PP pega um pincel e desenha um alvo no traseiro do urso, que fica olhando incrédulo para aquilo. Daí você pode acertá-lo com uma bicada. Por um instante, eu gargalhei muito alto com aquilo, é realmente hilária a coisa, mas segundos depois ao tentar fazer de novo e levar repetidamente dano por falha dos controles, eu fiquei realmente chateado pelo jogo não conseguir ser o que deveria ser.
Como disse antes, é notável que o jogo foi feito com amor e dedicação, mas a execução ficou muito a desejar. Sei que eram outros tempos e que as ferramentas de programação eram outras, mas por mais que seja necessário admirar a determinação da TT no projeto, o resultado final é ruim. Talvez se os caminhos tomados na execução do jogo pela TT fosse outra, teríamos um real e raro clássico a ser cobiçado tanto por nós quanto pelos estrangeiros, como acontece como um
Mr. Gimmick, por exemplo. Mais pessoas envolvidas, mais estudo de outros jogos, mais tempo... Talvez estivéssemos nos estapeando para ter a honra de jogá-lo para o desafio em vez de evitarmos até o último momento a fazê-lo