Mais uma:
Adultos voltam a ser crianças
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Carlos Eduardo, 22 anos, mora em Curitiba. Débora Cristina, 30, é de Pariquera, SP. Embora ambos não se conheçam, têm algo em comum: a paixão por seus brinquedos de infância. Muitas pessoas, a exemplo deles, costumam conservar alguns hábitos de quando eram menores como forma de lazer na vida adulta. “O hábito de colecionar pode ser tanto algo natural e saudável, como representar uma necessidade de reviver alguma fase da infância”, explica a psicóloga Andressa Ribeiro que trabalha com crianças e seus comportamentos.
A coleção de bonecas Barbie de Débora é quase sagrada. “Prefiro as Barbies originais porque são mais detalhadas, bonitas e têm mais movimento”. Para ela, as bonecas são uma forma de escapar da rotina e se recordar da fase de criança, das brincadeiras e da falta de preocupações. “As pessoas acham estranho eu comprar e brincar com bonecas, mas é minha terapia para relaxar. Os homens não jogam futebol? Eu brinco com Barbies”. Segundo Andressa, depois dos seis ou sete anos a criança começa a superar a fase dos brinquedos como ídolos imaginários e consegue vivenciar a realidade, tornando-os mais materiais. “Quem, na vida adulta, continua a brincar com seus brinquedos é porque geralmente não conseguiu superar a fase imaginária e ainda vê o passatempo como alguma coisa
relacionada à fantasia”.
Carlos Eduardo, estudante de História, guarda todos os seus brinquedos de infância, mas não brinca mais com eles. “Ainda tenho meus vídeos-game, ‘Comandos em Ação’, ‘Legos’, mas estão todos guardados. O que eu ainda compro são miniaturas de super-heróis, mas só para coleção e decoração”. Carlos tem hoje uma média de 90 a 100 miniaturas. Há alguns anos costumava frequentar uma loja de artigos para colecionadores de super-heróis e fãs de revistas em quadrinhos e jogar RPG com os amigos – um jogo que envolve os seus super-heróis – mas hoje diz não ter mais tempo.
A paixão por miniaturas lhe rendeu um caso inusitado. No terceiro ano do ensino médio, superfaturou a Xerox que tiraria para a turma. O “lucro” o ajudou na compra da miniatura de R$ 60,00 do homem-aranha. “Valeu a pena, até hoje ninguém nunca veio reclamar do dinheiro.
Mas não faria de novo
”.
A psicóloga educacional Clara Brener afirma que o ato de colecionar brinquedos, quando vigora até a vida adulta, está mais relacionado à identidade afetiva ligada a recordação ou admiração fantasiosa, e à identidade cultural. “Não se trata de desvio comportamental. É como perpetuar a sensação de segurança vivida na infância”.
Brincadeira pode virar obsessão
Contudo, algumas pessoas perdem o controle sobre suas manias, deixando-as invadir sua vida social. “Toda a atividade excessiva é prejudicial.
O nível de obsessão da pessoa pelo brinquedo pode caracterizar vários fatores patológicos, como o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) – quando a pessoa cuida com demasia de seus brinquedos – o que caracteriza um comportamento neurótico”, explica Andressa(
). Por isso, a psicóloga chama atenção dos parentes e amigos para que atentem para o cuidado e dedicação excessivos do indivíduo para com suas manias, até para os pontos saudáveis da relação com a infância.
Clara esclarece que quando a sensação de segurança trazida por meio do brinquedo já não é suficiente para suprir a necessidade do indivíduo, ele sai da realidade e entra no mundo imaginário do personagem. “Quando a compra e o cuidado dos brinquedos tornam-se o único objetivo da vida da pessoa é preciso buscar ajuda especializada”. A psicóloga indica que em casos de comportamentos conturbados em relação à vida infantil, a terapia pode ser uma solução adequada.
Preconceito
Para Débora, ainda há muito preconceito com pessoas que ainda fazem coleções de brinquedos. “Quando vou comprar minhas Barbies os vendedores perguntam se é para minha filha. Eles disfarçavam a risada quando digo que são para mim”, conta. Amigos e parentes também a perturbam ao dizer que ela não tem mais idade para isso. Mas ela não dá importância para o que eles falam. “Acho legal ter minha coleção e brincar de vez em quando faz bem. É também uma forma de ensinar a brincadeira para a minha filha. Mas ela tem as bonecas dela. As minhas e eu não empresto”, defende Débora.
Sempre que Carlos ia comprar alguma peça também o perguntavam se era presente para alguém. Ele se sentia discriminado pelos olhares e fofocas de reprovação, mas diz não se importar. “Há mais ou menos quatro ou cindo anos as pessoas davam risada quando você falava que colecionava miniaturas de super-heróis. Mas hoje acho que essa mania já está mais difundida e as pessoas não estranham tanto”.