Ontem à noite terminei no Switch um jogo que eu estava jogando há alguns dias e que não fazia ideia se estava próximo do fim ou não:
The friends of Ringo Ishikawa.
É um jogo indie originalmente lançado para o PC em 2018, portado digitalmente pro Switch em 2019 e que em 2020 recebeu a edição física. Eu nunca havia ouvido falar até a E3 (digital) de 2020, quando o jogo apareceu na apresentação de jogos físicos da Limited Run. O trailer me enganou direitinho, mostraram só cenas de porradaria típica de beat 'em ups, com aquele visual escolar de Yu Yu Hakusho, não pensei duas vezes: tomei nota do nome e assim que iniciaram as vendas, comprei.
Eles venderam o jogo como sendo um "beat 'em up onde o personagem precisa balancear sua vida de líder de gangue com os estudos e ainda manter a sua forma", só que não é nada disso. Nem dá pra chamar de beat 'em up já que TODAS as lutas podem ser ignoradas, com exceção de uma que faz parte da história; dá para fazer o personagem estudar para tirar melhores notas mas isso não tem QUALQUER consequência ou vantagem no desenrolar do jogo, tanto faz você ser o melhor ou o pior aluno da escola, não muda nada no jogo, e embora você possa ir para a academia ou treinar nos aparelhos do parque para aumentar os seus atributos, uma vez que as lutas são todas opcionais isso se torna totalmente irrelevante. No fim das contas tá mais para um RPG bastante vazio onde literalmente você precisa ficar andando de um lado para o outro no mapa do jogo esperando pelos eventos que fazem a história avançar, sem qualquer indicação de como disparar esses eventos (desconfio que é entrar em uma área específica do mapa em um período específico do dia, já que o jogo tem um calendário/relógio internos). Imagine-se jogando um RPG em chinês, sem ter a menor ideia do que fazer em seguida e andando/fazendo coisas aleatoriamente na esperança do jogo avançar, é basicamente isso aqui, mas com o jogo em inglês.
Quiseram fazer (ou melhor "quis fazer", já que o jogo foi feito por um cara só) um "life simulator" do protagonista, Ringo, de modo que o jogador vivesse todas as experiências do dia a dia dele, que seria ir para a escola, se meter em brigas, se exercitar, assistir a filmes, ler livros, etc, enquanto avança sua relação com os amigos. Só que como eu disse acima, chega um ponto que você percebe que nenhuma dessas atividades têm qualquer relevância no desenrolar do jogo e são pura enrolação. Você pode roubar os inimigos derrotados, arrumar um emprego de meio período ou estudar bastante para receber a ajuda de custo da escola. Pra que? Pra nada, pois as coisas onde você pode gastar o dinheiro não mudam nada. Você pode comprar livros e sentar em sua cama pra ler, o que não muda nada. Pode comprar filmes para assistir na TV da sua casa, o que não muda nada. Pode jogar na máquina de pôquer e ganhar mais dinheiro, que não adianta para nada. Pode comprar comida para tentar manter o indicador de fome do personagem em um bom nível, só que percebi que tanto faz ele estar alimentado ou não, então quando percebi isso parei de comprar comida e deixei o status como "faminto" o resto do jogo, não fez diferença alguma. Se você souber em qual parte da cidade precisa estar e em qual parte do dia, você pode literalmente deixar o personagem parado esperando o tempo passar, ir para o local certo e disparar o evento que avança a história. Só que como não sabe onde/quando o próximo evento ocorre (e não há qualquer indicação no jogo quanto a isso), fica o tempo todo correndo feito uma barata tonta aleatoriamente ou fazendo aquelas atividades inúteis, achando que elas estão fazendo o jogo avançar de alguma forma, até que ocasionalmente, por sorte, você passa pelo local correto na hora certa e faz a hora avançar. A ideia do cara que fez o jogo foi boa? Até que foi, mas muito mal executada. Além de ter pensado em uma forma das atividades que podem ser realizadas terem alguma relevância no personagem ou no transcorrer da história, devia ter uma forma de ter ao menos algum direcionamento de qual é o próximo passo em vez de deixar o negócio tão aparentemente aleatório.
Pior que nem o enredo salva. O jogo devia contar a história de Ringo e seus amigos (daí o nome do jogo) durante seu último semestre na escola antes da formatura. Mas o que devia ser uma história de amizade e companheirismo ou coisa assim acaba de uma forma tão wtf que eu até fui procurar no Youtube vídeos de outras pessoas zerando o jogo pra ver se eu é que teria estragado o fim com alguma ação durante o jogo (e descobri que não, sempre acaba igual). Spoilers a seguir, mas acho que ninguém aqui vai jogar isso mesmo. O jogo começa com Ringo e seus amigos voltando de mais uma briga com uma gangue rival, no início do último período da escola antes de cada um seguir o seu rumo. Todos os eventos que são disparados aparentemente aleatoriamente envolvem Ringo e um desses amigos (ex: um deles vem pedir ajuda a Ringo pois se meteu em uma dívida de jogo, outro vem pedir para o acompanhar em um encontro duplo com uma garota em que estava a fim, etc). Aí beleza, a cada evento desse você acredita que está vendo os laços de amizade cada vez mais fortes com cada personagem até que na missão final, que começa após a turma se envolver em uma briga, DO NADA todos os amigos resolvem abandonar Ringo. Na missão final, a namoradinha de um dos membros da turma está traindo ele com um estudante de outra escola, aí vocês vão e metem a porrada nele, e para se vingar disso a gangue dessa outra escola pega um dos caras da sua turma enquanto andava sozinho e o deixam em coma. Ringo fica com sangue nos olhos e resolve ir acabar com o líder dessa outra gangue, marca com todos na estação de trem às 6 e quando chega a hora, ninguém aparece e um dos traíras diz que "ninguém mais liga para isso".
Ringo então vai sozinho enfrentar toda a gangue rival (uma luta contra dezenas de inimigos onde você não perde, sempre que o HP cai a zero ele volta sozinho, até que alguns minutos depois o logo do jogo aparece na tela mostrando que os "amigos" de Ringo Ishikawa o deixaram na mão enquanto ele, sozinho, tenta vingar o companheiro, e fim, créditos na tela).
Tipo, o negócio não faz o menor sentido. Se durante o jogo fossem sendo mostrados que os laços de amizade estavam sendo desfeitos ou algo assim, beleza, mas é justamente o contrário, até a penúltima missão todo mundo tava lá lutando de boa juntos, até pelos motivos mais ridículos, e aí justamente quando é pra vingar um companheiro deixado em coma todo mundo diz "ah cansei disso, se fode aí sozinho". Zero sentido no desfecho desse jogo. Pelo menos (acho) que serviu para mostrar o porquê do "friends" estar estilizado com "f" minúsculo no logo/título do jogo, deve ser pra indiciar que os "amigos" de Ringo, no fim, não se mostram tão amigos assim.
Jogo com um puta potencial desperdiçado assim, que desânimo.